Após dois meses de guerra aberta com o Hezbollah, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que apresentará um acordo de cessar-fogo no Líbano ao gabinete israelense. O anúncio foi feito horas após as forças do Estado judeu realizarem ataques em larga escala contra alvos da organização libanesa em Beirute, que viu um número de alertas sem precedentes para a região. Na segunda-feira, pelo menos 31 pessoas morreram em todo o Líbano, segundo autoridades locais, e no domingo o Hezbollah lançou cerca de 250 mísseis contra o território israelense — uma escalada que, para analistas, é comum ocorrer antes da suspensão das hostilidades e visa garantir que o maior número possível de objetivos militares seja alcançado antes da interrupção das atividades.
O Hezbollah não é mais o mesmo, Israel o empurrou décadas para trás. Destruímos a maior parte dos foguetes e mísseis. Matamos milhares de terroristas e destruímos a infraestrutura subterrânea e terrorista perto de nossas fronteiras. Tudo isso parecia ficção científica meses atrás, mas nós conseguimos — disse o premier, acrescentando que está “determinado” a manter os soldados israelenses vivos. — Por isso, esta noite, apresentarei ao gabinete um plano para um cessar-fogo no Líbano.
Ainda que relatos iniciais indicassem que a proposta de cessar-fogo, mediada por diplomatas americanos e franceses, estabelece um prazo de 60 dias de trégua, Netanyahu declarou em discurso televisionado que a duração do acordo “dependerá do que acontecer no Líbano”. Ele afirmou que Israel tem um “entendimento” com os Estados Unidos e que manterá sua “plena liberdade para realizar operações militares se o Hezbollah tentar atacar” o Estado judeu, indicando que, nesse cenário, o Exército israelense reagiria “com muita força”.
O primeiro-ministro de Israel destacou, ainda, três razões principais para considerar que este é o momento certo para um acordo de cessar-fogo, afirmando que a medida permite que seu país se concentre na “ameaça iraniana”.
De acordo com a proposta, segundo publicado anteriormente pelo The Times, as forças israelenses deverão voltar para o sul da fronteira entre Israel e Líbano, enquanto o Hezbollah recuaria ao norte do rio Litani, permitindo que o Exército Libanês — que não é parte no conflito entre Israel e Hezbollah — preenchesse o vazio. Segundo o site Axios, o governo americano deve oferecer apoio às ações militares de Israel na região em caso de violação do acordo, além de apoiar iniciativas contra o contrabando de armas.
No entanto, muitas questões sobre a proposta permanecem sem resposta, incluindo como o Exército Libanês imporia autoridade sobre a organização político-militar libanesa. Além disso, o cessar-fogo é oficial entre Israel, Líbano e os países mediadores, incluindo os EUA. Um importante parlamentar libanês tem atuado como intermediário com o Hezbollah, que não é controlado pelo governo libanês e tecnicamente não seria parte do acordo, embora o líder do grupo, Naim Qassem, tenha sugerido na semana passada que a organização aceitaria uma trégua se Israel parasse de atacar o Líbano e o país mantivesse sua soberania.
A mediação é baseada na resolução 1701 do Conselho de Segurança das Nações Unidasque acabou com uma guerra de 34 dias entre Israel e o Hezbollah, em 2006, e que manteve relativa calma na área por quase duas décadas. De acordo com o texto, ambos os lados deveriam se comprometer a cessar as hostilidades transfronteiriças, e apenas o Exército libanês e as forças de paz da ONU poderiam atuar no sul do Líbano. A medida foi interrompida no dia seguinte ao ataque sem precedentes do grupo terrorista Hamas a Israel, em 7 de outubro do ano passado, quando o Hezbollah passou a atacar quase diariamente o território israelense em solidariedade ao aliado palestino.
De um lado, Israel argumenta que o Hezbollah violou a resolução diversas vezes ao operar próximo à fronteira. Do outro, o Líbano afirma que o Estado judeu violou regularmente o acordo ao longo das últimas duas décadas ao enviar aviões de combate ao seu espaço aéreo. Os EUA, responsáveis por realizar a mediação entre as partes no conflito atual, acreditam que o retorno aos princípios da resolução seja do interesse de ambos. Antes mesmo do anúncio, no entanto, Israel Katz, o recém-nomeado ministro da Defesa de Israel, informou à enviada especial da ONU para o Líbano, Jeanine Hennis-Plasschaert, que mesmo com o acordo seu país continuará a agir contra ameaças.
Está claro que não se pode confiar no Hezbollah, sempre mostraram isso. Mas, pior ainda, o governo israelense também não é confiável — disse Nahum Donita, morador de Tel Aviv, à AFP.
Mais cedo, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que o acordo de cessar-fogo foi “um esforço diplomático intenso” feito pelos EUA e parceiros como a França, e que sua implementação “fará grande diferença”. Ele declarou que a medida salvará vidas e criará meios de subsistência no Líbano, permitindo, também, o retorno de milhares de israelenses deslocados pelo conflito para suas casas. E, em uma escala mais ambiciosa, Blinken destacou que, ao reduzir as tensões na região, o acordo também pode ajudar a encerrar o conflito em Gaza.
— O Hamas saberá que não pode contar com a abertura de outros fronts na guerra.
Entenda a escalada
Mesmo após o início da guerra em Gaza, com os disparos constantes do Hezbollah contra Israel, por muitos meses a troca de hostilidades entre os dois permaneceu relativamente controlada. Em setembro, porém, as explosões quase simultâneas de milhares de pagers do grupo xiita no Líbano, seguida pela detonação de dezenas de walkie-talkies da mesma organização, elevaram rapidamente o número de mortos e deram início a uma nova fase do conflito na região.